Nos últimos dias, uma fala do diretor de Fiscalização do Banco Central viralizou: “chegamos ao absurdo de ter fintechs em coworking.”
A frase, além de infeliz, simboliza um ponto de inflexão no ecossistema financeiro brasileiro aquele mesmo ecossistema que, há menos de uma década, celebrava a desregulação e a ousadia como motores de inovação.
Ao mesmo tempo, nas redes, líderes de fintechs e executivos do setor discutem o “amadurecimento” do mercado. Apontam que a concentração de clientes nas maiores instituições ainda é alta e que o aumento da regulação seria natural para consolidar o setor.
Mas o que chamam de amadurecimento talvez esteja, na prática, transformando-se em fechamento.
Da Garagem ao Regulador: A História Que Esquecemos
Quem viveu o boom das fintechs desde 2014 lembra bem: o cenário era incerto, quase experimental.
Falar em crédito digital parecia delírio. Abrir uma startup financeira era sinônimo de enfrentar bancos poderosos, ausência de regras claras e desconfiança institucional.
Foi nesse terreno que empreendedores e associações lutaram por espaço, defenderam a inovação como ferramenta de inclusão e mostraram ao regulador que era possível fazer diferente.
E funcionou. O Brasil virou referência em inovação financeira.
Milhões de pessoas tiveram acesso a crédito, contas digitais e serviços antes impensáveis para quem estava fora do sistema bancário tradicional.
Quando a Liberdade Vira Barreira
Mas algo mudou.
Agora, quem antes lutava por menos entraves parece celebrar o aumento da regulação e a elevação das barreiras de entrada.
O mesmo discurso que um dia condenava a burocracia agora a chama de “maturidade”.
Sim, proteger o consumidor é essencial. Evitar aventureiros também.
Mas há uma linha tênue entre criar segurança e sufocar a inovação.
Quando o sistema começa a privilegiar apenas quem já é grande, deixamos de falar em concorrência e passamos a falar em exclusividade.
Fintechs em Coworking: Símbolo ou Sintoma?
A crítica do Banco Central às fintechs que operam em coworkings é reveladora.
Ela ignora a essência das startups: nascerem pequenas, ágeis, colaborativas muitas vezes, literalmente em uma mesa compartilhada.
Foi assim que Nubank, Creditas, Stone e tantas outras começaram.
Chamar isso de “absurdo” é mais do que um deslize de linguagem. É um sinal de que parte do sistema esqueceu suas próprias origens.
Como se a inovação tivesse prazo de validade e, depois do sucesso, o certo fosse fechar a porta atrás de si.
O Verdadeiro Amadurecimento
Amadurecer não é criar muros mais altos.
É garantir que o próximo inovador também tenha uma chance.
É lembrar que o crédito digital, o open finance e o PIX nasceram justamente de um ambiente fértil para experimentação não de uma sala de conselho.
O Brasil não precisa de um ecossistema “amadurecido” que exclui os pequenos.
Precisa de um ecossistema vivo, plural e inquieto aquele mesmo que acreditou que a tecnologia podia democratizar as finanças.
Se esquecermos isso, corremos o risco de voltar a um mercado concentrado, previsível e fechado.
E, ironicamente, de precisar de novas fintechs em coworkings para começar tudo de novo.
O problema não é a regulação.
O problema é o esquecimento de onde viemos, do que defendíamos e de quem ainda tenta inovar de baixo.
A escada que levou o Brasil a ser referência em fintech não pode virar um trampolim exclusivo para poucos.