Tem se tornado cada vez mais comum: startups em estágio pré-MVP ou com apenas alguns clientes early-adopters chegam pedindo R$ 1 milhão por 10% de equity. Parece razoável? Não é. Essa pedida implica em um valuation post-money de R$ 10 milhões — e esse número pode estar condenando a startup ao fracasso antes mesmo de começar.
O Vale do Silício Não É Aqui (E Tudo Bem!)
Se estivéssemos no Vale do Silício, com um ecossistema maduro e fundadores com histórico comprovado de exits bilionários, até que essa pedida seria aceitável. Mas a realidade brasileira é outra. E ignorar isso é o primeiro erro fatal.
A Matemática Brutal do Early-Stage
Vamos olhar os fatos frios de uma startup em estágio tão inicial:
Não tem produto validado. O grande mercado pode simplesmente não querer o que está sendo proposto. Não importa quão apaixonado você seja pela sua solução.
Não possui métricas confiáveis. Sem tração consistente e unit economics comprovados, é impossível estimar o real potencial de crescimento. Estamos navegando às cegas.
O risco de falha é superior a 90%. Nesta fase, tudo depende fortemente da capacidade de execução da equipe — e as estatísticas não mentem.
A Conta Que Não Fecha
Aqui está o problema: se um investidor paga R$ 1 milhão por 10%, ele precisa acreditar que a startup chegará a valer pelo menos R$ 100 milhões a R$ 200 milhões em aproximadamente 5 anos. Só assim ele consegue um retorno de 10x a 20x que justifique o risco monumental que está correndo.
E adivinhe? Essas saídas são raríssimas no Brasil.
Pedir esse valuation sem produto, sem validação e sem histórico da equipe é, literalmente, pedir que o investidor faça uma aposta cega — e ainda por cima acredite que você é a exceção estatística que vai multiplicar seu capital por 15x.
O Efeito Bola de Neve Negativo
Uma rodada inicial com valuation inflacionado não é apenas um problema hoje — é uma bomba-relógio para o futuro:
Dificulta (ou impossibilita) futuras captações. Os próximos investidores vão olhar para aquele valuation inicial, fazer suas contas e, inevitavelmente, vão "descontar" — ou simplesmente passar a oportunidade.
Gera desalinhamento fatal. Fundadores e investidores ficam com expectativas completamente diferentes sobre o que é sucesso, criando atrito e decisões ruins ao longo da jornada.
Limita suas opções estratégicas. Com um valuation alto demais, você fecha portas para parcerias, aquisições estratégicas e outras saídas que poderiam ser vitórias reais.
A Exceção à Regra
Existe apenas um cenário em que essa pedida faz sentido: quando o time fundador tem um histórico comprovado de transformar barro em ouro.
Exits anteriores de sucesso, experiência relevante no setor, network qualificado e capacidade demonstrada de execução. Nesses casos, você não está apostando apenas na ideia — está apostando em quem vai executá-la. E isso muda tudo.
A Lição
Valuation não é sobre quanto você acha que sua startup vale ou quanto você precisa captar. É sobre criar uma estrutura financeira que permita crescimento sustentável, alinhamento de interesses e futuras rodadas de investimento.
Começar com o pé direito significa ser realista sobre onde você está — e usar isso como combustível para chegar onde realmente quer estar.
Para fundadores: Seja honesto sobre seu estágio. Um valuation menor agora significa mais espaço para crescer e mais investidores dispostos a apostar em você.
Para investidores: Continue fugindo dessas propostas — a menos que o histórico do time realmente justifique a aposta.
O ecossistema brasileiro de startups está amadurecendo. E parte desse amadurecimento é entender que copiar e colar práticas do Vale do Silício sem adaptar à nossa realidade é receita para o fracasso.