A insurtech Latú, conhecida por seus seguros B2B com ênfase em proteção cibernética para pequenas e médias empresas, anunciou recentemente o encerramento de suas atividades. O caso levanta uma série de reflexões sobre desafios estruturais do setor de seguros no Brasil — especialmente para startups com modelos inovadores.
Origem e promessas da Latú
- Fundada em 2022, a Latú tinha foco em PMEs e oferecia produtos como seguro contra ameaças cibernéticas — um nicho com potencial crescente no mundo digital.
- Logo no início, a startup apresentou uma captação expressiva: apenas dois meses após o lançamento, assegurou US$ 6,5 milhões em rodada pré-seed, liderada pela Monashees e com participação de CRV, ONE.VC, Latitud e SVAngels.
- Até o começo de 2025, as perspectivas pareciam promissoras: planos de novas rodadas de investimento, desenvolvimento de produtos e expansão de mercado estavam em curso.
O recuo e o fim das operações
Apesar das expectativas, a Latú não conseguiu transformar esse impulso inicial em sustentabilidade a longo prazo:
- No início de agosto de 2025, a empresa notificou seus segurados de que interromperia suas operações, com tratamento individualizado de apólices para minimizar impactos.
- Em seguida, o site institucional da Latú foi “desmontado” — restou apenas uma breve mensagem anunciando o encerramento.
- Em comunicação, a empresa assegurou que todo cliente, corretor ou apólice seria tratado com transparência e sem prejuízos no atendimento.
- Mesmo assim, o silêncio oficial prevaleceu para além dessa nota: tentativas de contato com a CEO Paola Neiva foram infrutíferas.
As pistas do desabafo da CEO
Mesmo sem falas recentes oficiais, em junho de 2025 Paola Neiva fez um desabafo em seu perfil no LinkedIn que dá pistas dos obstáculos vividos:
“Todo mundo só foca no preço mais baixo, ninguém quer mergulhar nos detalhes… Está tudo lá nas letrinhas miúdas, mas não há incentivo nenhum para escolher uma apólice que realmente protege… É só preço, preço, preço. Estamos num ciclo vicioso, não sei se isso vai mudar algum dia.”
A fala reflete uma tensão latente no setor: muitos clientes tomam decisões baseadas apenas no menor custo, e acabam sem plena consciência das coberturas — ou da qualidade do seguro que contrataram.
Desafios estruturais do mercado de seguros no Brasil
O caso Latú não é apenas uma história isolada ele simboliza fricções persistentes no ecossistema de seguros no país:
- Baixa maturidade e mercado restrito para nichos: Uma fonte ouvida na reportagem aponta que o mercado de seguros cibernéticos no Brasil ainda é muito pequeno. Há poucas PMEs que consideram ou demandam esse tipo de seguro, e grande parte só descobre sua necessidade quando há cobrança ou incidente.
- Globalmente, os Estados Unidos dominam cerca de 53% do mercado de seguros cibernéticos, segundo estudo da Mordor Intelligence.
- Competição com incumbentes e resistência à inovação : O setor de seguros tradicional — com grandes operadoras consolidadas — pode absorver pressões competitivas, enquanto novas insurtechs enfrentam bareiras de escala, regulação, capital e confiança.
- Pressão por preço, pouco foco em valor: Como a própria ex-CEO da Latú lamentou, muitos consumidores enxergam seguro como um custo a ser minimizado, não um serviço cujo valor precisa ser entendido. Essa mentalidade dificulta a oferta de produtos mais sofisticados ou com coberturas diferenciadas, principalmente para nichos menos compreendidos.
- Escassez de capital sustentável para crescer: Mesmo com rodadas promissoras, transformar aporte em receita escalável e sustentável é uma tarefa complexa, especialmente em mercados fragmentados e com baixo histórico de aceitação para novos modelos.
Lições e pontos de atenção para quem pensa em inovar no setor
- Educação de mercado é essencial: Em nichos emergentes, como seguros cibernéticos, é preciso investir pesado em comunicação para que empresas entendam o risco e percebam valor na proteção.
- Modelos de receita realistas e escaláveis: Promessas elevadas de crescimento não podem substituir tração concreta. Startups devem calibrar modelos com margens, churn, vendas complexas e retenção em mente.
- Parcerias estratégicas e credibilidade institucional: Colaborações com corretoras, seguradoras já estabelecidas ou entidades regulatórias podem ajudar na distribuição, reputação e aceitação do cliente.
- Atuação gradual e foco no core antes da expansão: Em vez de investir pesado em crescimento geográfico ou vertical desde cedo, talvez focar no fortalecimento do produto, retenção e case de sucesso para um público específico antes de escalar.
